Em um ambiente cada vez mais digital, é necessário o posicionamento do Estado de forma dinâmica e aberta às novas tecnologias, sob pena de o Estado se tornar um entrave no desenvolvimento de novas tecnologias que melhoram os serviços públicos prestados ou mesmo dificultam o desenvolvimento de serviços privados de qualidade.
A uber é uma empresa que em sua essência, juridicamente, nada mais faz do que ser intermediário entre consumidores e motoristas proprietários de veículos.
No momento em que a Lei 10.900 dispõe que a mesma estabelece normas sobre o credenciamento de pessoas jurídicas que operam e/ou administram aplicativos baseados em dispositivos de tecnologia móvel ou quaisquer outros sistemas georreferenciados destinados à captação, disponibilização e intermediação de serviços de transporte individual remunerado de passageiros no Município, bem como sobre os dispositivos de segurança e controle da atividade e as penalidades aplicáveis em caso de descumprimento.
E em seguida aponta que a utilização destes aplicativos está condicionada ao credenciamento junto à BH Trans e ainda que caberá à BH Trans cadastrar e licenciar os aplicativos, veículos e condutores, o que se verifica é a proibição não só ao aplicativo Uber em si, mas um obstáculo para que todas as empresas privadas do ramo de transporte utilizem-se da tecnologia para a otimização de seus serviços.
Tal postura é inconstitucional por diversos fatores, vejamos:
a. Art. 1º da CR/88 – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa –
b. Art. 170 da CR/88 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
É claro então que a Constituição adota um modelo de ordem capitalista, valorizando a livre iniciativa, a proteção do consumidor e a valorização do trabalho humano.
A livre iniciativa pressupõe assegurar ao particular a primazia pela exploração das atividades econômicas, de forma que caberá ao Estado somente o exercício de atividades necessárias para a segurança nacional ou relevante interesse coletivo, neste sentido viola-se também o Art. 1673 da CR/88, que prevê:
c. Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
A lei à que a Constituição faz referência é um lei que deriva de seu próprio sistema legislativo, que em seu Artigo 22 trata da competência para legislar sobre trânsito, mais um artigo violado:
d. Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
XI - trânsito e transporte;
Neste ponto é importante destacar que o que a Constituição diz em seu Art. 30 em relação a competência dos municípios é que Compete aos Municípios organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial.
No caso do Uber, bem como de outros aplicativos a serem utilizados por empresas privadas para otimizar a prestação de seus serviços, não se trata de serviço público, mas sim de transporte individual de passageiros.
Além disso, cabe privativamente à União, de acordo com o Art. 22, I, legislar sobre direito civil, sendo que o Código Civil já regula o contrato de transporte, em seu Art. 730.
No mesmo sentido, o Marco Civil da Internet, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determina as diretrizes para a atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, prevê que a disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor.
O Marco Civil, aponta ainda em seu Art. 3º que um dos princípios do uso da internet é a liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta lei.
Dessa forma é que se defende a incompatibilidade da Lei com o Código Civil e com o Marco Civil da Internet, bem como sua absoluta inconstitucionalidade, seja por vício formal (em relação à competência para legislar), seja por vício material (em razão da violação a livre iniciativa, da defesa do consumidor e da subsidiariedade).
É inadmissível perceber que podemos seguir em um caminho de retrocesso com a manutenção dessa lei; inconstitucional e que não reconhece o imprescindível papel da tecnologia e de todo o ecossistema que a mesma abriga.